3 de mar. de 2011

Observações sobre o estudo do Carnaval com crianças e adolescentes - II

Tive algum retorno quanto à entrevista com pessoas mais velhas sobre o carnaval: bobajada, desorganizado, perda de tempo, pouca vergonha, divertimento, tradição. Ficou bastante claro que a lista de atributos negativos era maior do que a de atributos positivos. Naquela turma, um 9º ano, lancei o conflito: se o carnaval fosse tão inútil e ruim, o que justificaria a existência de baile de carnaval infantil? Não obtive respostas, alguns deram-se conta da contradição.

Na turma dos alunos menores, de 7 anos, fiz uma seção de canto: cada criança deveria pensar numa música que soubesse cantar e, voluntariamente, cantar um trecho para a turma. D e 25, apenas duas cantaram. Duas ótimas surpresas: uma menina disse que só sabia “música gótica”. Disse que poderia ser qualquer música, inclusive gospel. Foi então que ela cantou uma canção inteira com a voz saindo inteiramente pelo nariz. Muito bom e nítido, já que cantar não é forçar a garganta, mas fazer a ressonância na cabeça. Ela fazia isso naturalmente, imitando a cantora gospel, mas fazendo... A menina seguinte cantou uma música inventada por ela, bem corajosa e desprendida, entendendo que cantar não é vergonhoso, é só cantar. Eu fui a última e cantei uma canção que, na versão que conheço, foi gravada por João Gilberto: “Só vou pra casa quando o dia clarear / eu sou do samba, pois o samba me criou...”.

Nova semana, novas ideias, trabalho precisando andar. Lembrei que tinha um livro da editora Anablume, um trabalho acadêmico de Marlene Soares Pinheiro. Lendo no trajeto do ônibus, colhi informações que me pareceram importantes principalmente para os alunos do II e III ciclos (4º ao 6º e 9ºs anos): o caráter controverso, de inversão, do carnaval (analisados pela autora no campo da semiótica) e a presença de Apolo e Dionísio na festa. Fiz uma lista de expressões contrárias que fazem compreender o caráter estético do carnaval mas também fazem pensar sobre as características da vida: riqueza e pobreza, seriedade e deboche, rotina e festa, senhor e escravo, templo e rua/praça, sagrado e profano/mundano, mostrar e esconder. Me dei conta de que era importante lançar esse aspecto para os alunos. Como?

Produzi alguns materiais que nem sabia como ou mesmo se ia usar: 12 imagens de pinturas sobre o tema, 15 cópias de uma extensa lista de músicas carnavalescas da década de 1930. Estava tudo no meu armário da escola e decidi que hoje seriam usados. Com o II ciclo, analisamos as imagens e os títulos das músicas, o que foi feito em duplas e socializado à turma. Bingo: a contradição apareceu nesta análise. Foi um pouco cansativo fazer isso, a atividade gera conversa, risadas, bagunça, perguntas, mas foi... Conseguimos perceber ali as contradições do carnaval: músicas com títulos engraçados e sérios, inocentes e com duplo sentido como "Eu dei..." (Perguntei: será que a profe se esqueceu de tirar aquele da lista?). Estavam inquietos, já perguntando o que iríamos fazer depois daquilo. Ideia! Jogo do contrário: caminhar pela sala e, quando eu dissesse uma palavra, deveriam parar como estátua expressando o contrário. Assim: para alegria, expressaram seriedade, brabeza, tristeza; para organização, loucura, briga, brincadeira; para má educação, cumprimentos, abraços, sorrisos gentis. Sobrou tempo (a gurizada vive a mil!), hora de diminuir a rotação e conhecer uma das explicações dos opostos na vida e, principalmente, no carnaval. Apolo e Dionísio foram apresentados como deuses gregos (“do tempo das cavernas, profe?”, “como Zeus?”, “como o videogame?”) que se identificavam com ideias nem melhores ou piores, mas contrárias. Enquanto Apolo preferia beleza, organização, rotina, Dionísio preferia festa, gargalhada e brincadeira.

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